Tenho textos poéticos que nunca publiquei nem ao menos mostrei publicamente. Finalmente estou tomando coragem para isso.

As poesias que começo a publicar hoje fazem parte de uma compilação que eu chamo de “Boneco de Prata”. Isso nasceu de uma experiência em um período onde eu estava estudando numa oficina de atuação para cinema com Walter Lima Júnior e resolvi fazer a pesquisa de um personagem que morava na rua. Criei uma biografia pra ele e tudo mais. E é como se ele escrevesse essas poesias. Boneco de Prata é o vulgo dele, que adotou como nome quando foi pra rua.

O fato curioso é que essa oficina aconteceu no Célia Helena, de forma paralela ao curso regular – e a Célia Helena ainda estava viva. Por um período, eu me vestia de uma forma maltrapilha e ia pra rua descalço, me sujava, ia conviver com as pessoas em situação de rua. Até que isso chegou à Célia Helena e ela não acatou minha iniciativa de ir a campo realizar essa vivência. Eu tinha 20, 21 anos – mas o texto acaba sendo bastante atual.

Prólogo do Homem (Boneco de Prata)
Se eu fosse homem de rua 
Quem eu seria?
Seria pedra bruta ou lapidada?
Um brilhante ofuscado pelas 
marcas do passado
Que não se apagam mais 
Se eu fosse homem de rua
Quem eu seria?
Seria uma nuvem sem véu
Ou uma noiva despida 
no meio da  lua
com coro de som e 
fumaça sem poluição
Se eu fosse homem de rua
Quem eu seria?
Poluição magnífica
Ou poluição medíocre que intoxica
E não cria oxigênio
E sim rugas no rosto fatigado
Que não encontra mais a lua...
Se eu fosse homem de rua
Quem eu seria?
A antiga escuridão 
Que não poupa miseráveis
E sempre resta faixo de luz.
Precursor do dia.
Se eu fosse homem de rua
Quem  eu seria?
Noite 
Noite da vida antecedente
Do dia eterno
Que crê no toque 
E nos espaços tardios,
De um sol alaranjado,
E meio-dia; mais dia,
Mau-dia da adolescência
Que corre, e atrás, trás
o descobrimento
Se eu fosse homem de rua
Quem eu seria?
Somos todos da rua, 
Aprendizes
Do desfalque amado 
Da embriaguez entorpecida,
Amada lua
Inspiração sai
Encontra juventude
E amortece num colchão.
Que toca melodia ausente
Do coração
Dá voltas em torno da mente,
Sem limites pra fontes
Pra abraços de ardor
E a busca pela liberdade,
Que não é bairro, nem cidade,
Nem país.
É uma nação inteira
Que voa na veia
E não é mais pálido,
Mas, ainda é sofrimento.
Sensações:
Gosto amargo da cachaça
Arranha garganta
Nos goles do fim
Que chama:    
-Se eu fosse homem de rua
Quem eu seria?
CRENÇA
Dizem a respeito de frutos colhidos ... e estranho
Restaurados,
Adocicados. Acidificados,
martirizados, mumificados, mimados,
Passados.
Futuro presente de afeto, de confiança.
Dizem a respeito de fraternidade,
De crença,
Escondida, apaziguada, guardada.
Resto de fuligem
Fungível é o Fuzil?
Que das cinzas se criou e formou
Reagiu e produziu.
Dizem a respeito de símbolos
da história, da força da vida,
do controle, da criança.
Dizem da crença
do começo
do ser apagado
e recomeçado    
Dizem a respeito da origem ... desconhecida
e mistério
e gana
e vencer
e suar
e acreditar.
E as guerras?    
 NOSSOS LÁBIOS
Acabei de me ver em seus lábios,
nessas linhas perpendiculares
de uma lógica emocional
Fez inspirar tal ar,
tal respiro, tal ilusão
O acorde violeta clareia nossos toques
e o encontro de nossos pensamentos.
Pensamentos flor-de-pele;
Lábios carnudos e feito pássaro
cantam falam e sobrevoam
à frequência
Perguntam tanto que me desencontram 
em algo vago, 
mas ainda perpendicular
com minha lógica emocional
que lhe vê e sente profundo
Lábios que querem saber 
como sabe lá quem sabe.
sabiá.
E acariciam-me,
Gritam e cantam pelos nossos nomes...
e até queimam a mão;
tocam a mão, passeiam e flutuam;
contam história.
É hora de ir.
Tem alguém aí?
Eu preciso de uma informação,
Se onde surgiram, como se movem?
De onde surgiram?
Quando éramos crianças,
todos chamávamos, gritávamos, e amávamos
Os lábios se tocam, ainda se beijam
olham-se no escuro verdadeiro e desenham com     sua língua.
Feito artista que pinta paisagem
no infinito campos verdes belos
no vôo da águia 
e no galope do cavalo que procura 
o sem fim finito ou não, diverso ou concluso.
A COMUNIDADE
Comum aos moradores da essência
a distância negada 
entre matéria e procura
Procura ser a invasão não contida;
de antemão o extremo paradoxo
- o nada ser
Mais confuso das nuvens procurando caminho
Comum aos moradores da essência
o aborto da matéria
corriqueira e singela
sofre pelo senso comum
Tão clássico, tão histórico,
Tão movimento na escola dos  conceitos!
Disse à plataforma do Papa do governo,
de promessas e planos e falsas juras de amor.
E deixaria a figura da nuvem
ser maltratada pela nuvem poluição?
Comum aos moradores da essência
viver a sonoplastia da ação
-Quase não age e já não existe-
...porém muito hábil, (a precisão nunca         falha)
Falha na alma de que não procura
Não quem não encontrou.
Mas, quem por fim desistiu.
De assim buscar 
e enfim só explicar (e, se justificar)
o comum senso 
dos outros moradores da essência
As metáforas estão morrendo! Lutemos por elas!
Consciência Infeliz
Poeira da ciência 
Poeira individualista,
Efetivo: efeito real?
Atrás do Eldorado
Um magnata qualquer.
Amaldiçoado encarnações,
gerações! 
Que deveriam florir.
e colorir.
Impedidos de viajar pelo tempo criador.
Pálidos e ácidos
Alojam fiéis decompositores doloridos.
Cumprem trabalho e batem cartão.
Nem pensam nos sonhos
da noite anterior.
Opacos e mancos
Travados em um foco frágil 
de doentes tiros eternos e eficientes
de metralhadora,
ou 
de outra força maior
ou 
menor
Falsos trovadores
em trovas de martelo criam
a desigualdade
de quem vota um brocha.
Vestem brocado caro e elegante
Ao caro pagante de impostos
é capaz
brochar em suas cucas,
prego curto, de cabeça chata e  larga
que infeliz ainda acredita
em quem em promessas confiou.
Não para-te ao olhar.
Para-te à falsa visão.
E imagina apenas si.
Poeira da ciência
que nunca carregará
noiva num altar.
Queria ver-te rodopiar nu num salão 
ao som de violas e violinos.
Não estarias pronto a prestar atenção
a tua volta;
Rostos carentes aguardando
tua magia
que nunca chegará!
Prefiro Fazer Assim?!
Poderia insuflar meu peito
E lhe gritar um grande amor,
Mas prefere que espanque sua pele
e lhe faça gritar.
Pois o faço! Com dores e penumbras
Sonhos e paixões o faço;
Já que faz sofrer e pensar 
e lembrar
e mastigar seu doce;
Faço-o na sombra, num beco, na chuva.
Arranho suas costas e bato em sua cara
até arder, até sonhar...até me chamar.
Deverá clamar.
Estou em meus versos 
e aqui irá me achar.
Poderia insuflar meu peito
e esganiçar o que resta da minha voz,
de minha cor; e tocar seu seio.
Não seria atroz;
mas prefere que arranque seus cabelos
e deixe sombras em seu corpo!
Pois o faço! Num dia quente de verão
e raios de vulcão, o faço!
Já que faz-me duvidar de minha relva 
e enfraquecer a tinta da pena
Pois o faço.
E muito bem feito!
Memórias do Sempre
É só o Coronel Ribeiro surgir...
E o medo plana no grito
Despercebido
Uma risada bufônica
Assustadora
Cordas de presente
num corpo sonoro
num sussurro harmônico
numa chegada enclausurada
pela distância
Uma nota pra valer 
Uma cota pra sobreviver
pra distorcer...
pra me enganar...
pra esquecer o peito,
que nunca tive,
E a fuga que sempre vivi
Mas nunca esqueci.
O Homem de Bigode
...noite de sombra...
Conversei com o Homem de Bigode,
que atraia o tempo com o assovio.
Convencia a dor com o grito...
...e suspiros de poéticas
Trocava o amor do dia com a Noite.
Andava com passos de prazer;
O Homem de Bigode tinha raiva; e 
tinha sentido, ao sentar no banco da esmola;
e cadenciar o respiro carente.
...noite de sombra...
Dá poder e respiração
ao Homem de Bigode.
Olha pra o ventre e descobre o tato.
É noite de martírio e afinação...
...o grito da sombra se encontra
na solidão da úlcera,
mas, observa o encontro do prazer 
e alegra
aproxima-se do ventre da mulher.
O Homem de Bigode não tinha paletó, nem lapela vermelha;
-Reflexo-Protesto que exige Proteção!
...noite de sombra.
em restos de lábio puro,
o Homem de Bigode avançava ao ventre;
observava impávido rosto de desencontro.
Podia vestir bermuda ou chinelo pois vestia crença.
O adormecer seria claro, 
perfumado,
perfurando 
o ventre refletindo a cor tristeza do sono 
em jorros de vermelho.
Jorros de desamor e desconfiança.
O Homem de Bigode falava em coro e previa o futuro.
Quando movia os braços e mãos tinha toda a atenção.
Mãos de cinza e vermelho.
Gestos longos...lentos 
como seu tempo.
Olhos arregalados, da multidão em fila que o vangloriava, 
da indefinição, sempre alertava.
...noite de sombra
pasma, talvez pávida não findava;
desbotava cor e invertia cor
e dançava todos os sons, acompanhando todos os movimentos.
Transformava o vazio em grande salão de festa
com quarteto de cordas em si maior,
em esperança de um novo dia trocado pela noite clara imagem,
sabor degustador, degusta dor.
Era o Homem de Bigode que no vício
e na calma
seguia a massa, que seguia o Homem, que seguia a massa. 
E seguia a lua encontrava o brilho,
mesmo roendo o ventre; o suspiro.
Não vivia no beco, nem era a salvação pois era (o)culto, 
e mesmo explicando,
sentava no banco da esmola a esmo.
Era o Homem de Bigode que calculava e sentia. 
Olhava para todos os lados, 
cantos angulares e não geométricos, 
de imperfeita lógica, 
que abria o espaço e procurava o encontro da multidão.
Necessitava o afeto, não admiração,
pois tinha toque, 
ainda que fosse cinza 
ainda que fosse noite,
ainda que fosse sombria, 
tanto era sincero 
tanto era medo sentido
do medo que tornava 
o Homem de Bigode…
da noite de sombra.
POR PASSOS
Indivíduo transeunte
corria, pulsava, saltava - estranhava!
Equilibrava a soma
da juventude,
que era a mesma estrada
e vivia em barras paralelas.
Na fronteira deste córrego.
Um córrego turbulento e
corado de sol em fim de tarde
Laranja
Cor
Ocorrência
Tato, feto
mato
Laranja
Indivíduo transeunte
corria pulava, saltava - contornava!
Equilibrava em conta de X,
de multiplicação óbvia.
Carona dos Sonhos
Fase estranha
Em meio a um calabouço
Range o martelo e cala,
Martela esperança que espalha crença
fatídica, e lúdica.
Ápice estranho
Deve calcar o nada,
lembrar um verbo
Verbalizar - acionar as palavras
Ventania no outono
canta a dança das folhas secas.
Secou sua pele?
Marcaram as lágrimas?
Porque marca seu choro no ócio
da idade..
ociosidade? 
Face estranha
procure no bolso o objeto
de suas ações.
Eu saltei a margem;
cai no córrego.
numa bandeja deliciosa; 
Se fossem oferendas a Baco
seriam todas sacrificadas
-é mentira.
sacrifício
suspiro
Persuasão estranha
Se eu fosse um pássaro,
jamais posaria para os restos
para comer na mão dos homens
A sobra
E voaria ágil planando raso sob suas cabeças
e sombreando então seus corpos
E seria a carona dos sonhos
com violetas claras e escuras,
Que brotariam nas imagens
de todos (ex) Empire-States 
que habitam essa megavida
Se eu fosse um pássaro,
não seria um pássaro - 
seria um homem que voa,
pois dançaria com as folhas secas, durante ventania de outono.
Durante toda estação.
Durante todas estações - 
não sentiria frio não sentiria calor
porque não,
porque não quereria,
mesmo que fosse 
contra-preceito.
A ordem seria outra.
Situação estranha
brincar com o vento com o martelo que cala
brincar com crianças
com Baco, e deusas, deuses.
Dão-se a cantar,
dançar
como pássaro
é brincar com nada ao mesmo tempo
É continuar na busca, sem trégua
Para não cair no abismo abissal abismal!
SEM JEITO
Cada jeito sem jeito 
que fico...
Torna-me parede deste mundo.
Queria estar desarmado
pleno para sua lua
Cada jeito sem jeito 
que encontro
Não torno a achar
Acho que minha índole dispersa
seu falar, dirige sem movimento!
Movimentaria suas rubricas, suas entranhas
Trocaria as pontas! pedindo as contas
Ouviria o ar!
cada jeito sem jeito
que fico;
fico mais pensador.
Que tanto elucubro
e nada descubro.
Descobrir-se-iam as fendas mágicas?
...com som encantado.
Ah, se assim fosse.
Bastaria uma piscadela ou um tocar.
Tocaria a alma no escuro do glamour?
Seria um servente
serviria
de minha própria existência.
Cada jeito sem jeito
que fico...
Torna meu credo mais imperfeito
minha lembrança quimera
fosse meu doce deslumbre
Cada linha um cortejo
um contorno perfeito de passado.
E o gole: uma beleza maltratada
de violeta enraizada.
Ah, suspiro autêntico malfadado
de punhos fechados
Fecharia meu abraço no desejo,
carne malhada...
cada jeito sem jeito 
que fico...
Torna-me metafórico,
Aéreo
Róseo
Branco
Que vicia no desdém;
Fatiga o mal querer.
...bem-me-quer...mal-me-quer...
Qual será sua sugestão
Invadir ou prevenir?
Cada jeito sem jeito
que fico...
Torna-me um primata
Ausente, obscuro e fiel
fidelidade em meus desenhos
melindrosos
E cada jeito sem jeito 
que fico..
torno-me desse jeito
sem jeito
sem graça.